Criticando Alcaparra

O que mais me chamou a atenção ao adentrar no Alcaparra foi o seu ambiente típico de decorador, um profissional que anda sumido do cenário gastronômico carioca. Hoje, o arquiteto acumula essa função. Na casa do Flamengo - que está completando 18 anos, o que não é pouco para o perfil que tem e para os padrões de sobrevivência dos restaurantes do Rio -, quem cuidou de cada detalhe do salão e do bar foi o francês Gilles Jacquard, decorador, pintor e designer cuja estética imperou nos anos 1990. Eu me senti acolhida e confortável. Com o cardápio acontece algo semelhante: a seleção de pratos em cartaz remete a sucessos de casas que não existem mais: Le Bec Fin, Monte Carlo, Le Streghe... São receitas até questionáveis - algumas puxadas em molhos e cremes, típicas de uma época em que ninguém temia o colesterol -, mas tão familiares como as paredes revestidas em tecido floral dali. Permanecem firmes e fortes graças a uma leva de garçons que passou por essas cozinhas e hoje toca seus próprios espaços. Caso de D'Amici, Terzetto, Santa Fé e do próprio Alcaparra, entre outros. A casa do Flamengo nunca foi "linhíssima" de frente, mas tem o mérito de oferecer uma cozinha correta e constante há quase duas décadas. Coisa rara. Tem um almoço como poucos, uma concentração de PIB invejável por conta de sua vizinhança farta em empresas, como a de Eike Batista. Mas fui ali numa noite de casa adoravelmente vazia (e de PIB zero!). Pedimos crepe de salmão fresco com creme azedo (R$ 24,49), salada com camarões, mexilhões e laranja (R$ 33,15), mignonnette com alcaparras e espaguete (R$ 49,63) e peixe com molho de maracujá (R$ 69,98). Nada a reclamar. Talvez das cifras que, assim como nos tempos do Le Bec Fin, são aquecidas em réchaud. A turma aprendeu mesmo a lição.